segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Ruth Marlene

 

        A moda do pisca pisca

 

    Corria o maravilhoso ano de 1997. Rute Marlene Pereira Alves, de nome artístico Ruth Marlene, lança um dos maiores sucessos da sua carreira.
Para acompanhar esta análise convido o leitor a visualizar o videoclip e acompanhar-me nesta bela viagem.

Neste vídeo, antes mesmo de soarem os primeiros acordes, vemos Ruth, uma jovem loira e vistosa com cara de gaiata, de trouxas às costas - podemos concluir que há uma forte possibilidade dela estar a fazer mudanças - entrando para um prédio. Assim, passa um jovem com gosto duvidoso (a julgar pelo gorro que parece ter sido tricotado pela senhora sua avó e pela camisa de padrão pavoroso) e pisca o olho à nossa Ruth. Ora Ruth, contradizendo toda a retórica da canção, apresenta um ar de desprezo e segue na sua vidinha (min 0:004). É aí que, depois de ouvirmos o primeiro solo, percebemos que o vizinho maroto e de estilo alternativo que lhe acabou de piscar o olho é, afinal, um dos guitarristas da Ruth. Apanhado!

Começam assim os primeiros versos:
"Todos os homens têm suas artimanhas/ Para conquistar fazem coisas geniais/ Mas as mulheres já conhecem suas manhas..."
Até aqui tudo bem. Tenho de concordar a 100%.

"sobretudo o piscar de olhos que é a que eles usam mais."
Calma. O piscar de olhos é a manha que eles usam mais? Como assim? Eu em 1997 era uma criança, demasiado nova para aferir as manhas dos homens, quer quantitativa, quer qualitativamente falando. Mas, pessoal.... os homens faziam mesmo isto em 1997? Ou a Ruth está só a dar tanga a toda uma geração que nunca será capaz de comprovar este facto de forma eficaz?


Continua, dizendo:
"a piscadela, dizem eles, nunca falha" 
Nunca falha?! Parece-me que há aqui alguma falta de transparência. Oh Ruth, então e há bocado quando o guitarrista te piscou o olho e tu o desprezaste? Nunca falha, não... Balelas.

"E é um gesto que em nada parece mal"
Nem bem, Ruth. Nem bem.

"Por isso andam por aí aonde calha/ Onde houver mulheres bonitas/ Só se vê este sinal" 
Já estou a imaginar uma pista de dança de uma discoteca, em plenos anos 90, cheia de mulheres bonitas e homens que parecem estar todos a sofrer de miopia severa, mas que, no fundo, estão só no engate. Não esquecer que "a piscadela nunca falha", por isso, vamos lá tratar de piscar esses olhinhos all night long.

Depois, entramos assim no afamado refrão, que todos sabemos de cor:
"Eles olham para a direita, e pisca pisca/ Eles olham para a esquerda e pisca pisca/ Andam para aí a piscar para ver se arranjam conquista/ Parece que está a dar/ E que veio para ficar/A moda do pisca pisca"
 Este refrão fala por si. Está para a memória da minha geração como um acordeão está para o Quim Barreiros. É praticamente impossível não recordar todas as palavrinhas da estrofe mais mítica desta canção. Reparem só na piscadela da Ruth (min 00:45-00:48). Ela tem talento. Será que andou a treinar antes das gravações ou fará já parte do seu leque de habilidades inatas? Fica a dúvida. Imaginem a Ruth num casting, a dizer que quer ser cantora:
-Então e sabe cantar?
-Sei, sim. Não desafino. Mas o meu talento mesmo é para a piscadela.
-Ai sim? Temos de explorar isso, então.
E BOOM. Estoirou o êxito mais conhecido da barreirense.

Após a repetição do refrão segue-se um pequeno instrumental, em que podemos ter um vislumbre da banda da Ruth (min 1:13). Alguém já reparou que o Tojó dos Agonizing Terror, sim, o Parricida de Ílhavo, decidiu fazer uma perninha no clip da Ruth? Vejam lá se não é ele ali no minuto 1:15, de cabelos longos, à metaleiro, guitarra em riste e óculos de sol.
 António Jorge - "Tojó"
 
É um bocado estranho a Ruth ter escolhido um guitarrista de metal para a sua canção, mas é igualmente estranho ele ter aceitado. Ainda dizia mais qualquer coisinha mas já está creepy o suficiente. Prossigamos.

"O pisca pisca é um truque muito usado..."
Ela insiste que é um truque muito usado. Estou praticamente convencida. Talvez eu não ande a frequentar os locais certos. A minha mãe sempre me disse para ter cuidado com as companhias. Ou talvez esteja velha demais... ou feia... ou as duas. Porque já foi referido que é muito usado mas é onde há mulheres bonitas... anyway...

"...Segundo dizem desde os tempos que há memória..."
 Ui... isso será desde quando, ao certo? Recuamos ao paleolítico ou ficamo-nos pela Idade Média? De qualquer forma, aquilo no paleolítico não devia surtir grande efeito.

"...E até parece que os seus belos resultados/ Vêm de longe ai segundo reza a história"
Sendo assim já me calo. Isto cheira-me a dados científicos. Talvez a Ruth tenha reunido com o José Mattoso e José Hermano Saraiva antes de pôr este êxito a rolar. É melhor eu não falar do que não sei.

Depois, a partir do minuto 1:51, entramos numa repetição exaustiva (já dizia a professora Maria, da velha guarda, que não há como a repetição para memorizar alguma coisa) do refrão e da parte instrumental, fino alla fine.


Não posso deixar de chamar a vossa atenção para as semelhanças óbvias entre o estilo de Ruth e o da Madonna dos anos 80 (min 2:12). A cantora usa, pelo menos, umas três indumentárias diferentes no espaço de alguns segundos - as imagens estão em fast foward porque não há tempo a perder e a rapariga não andou a trazer as trouxas às costas, com todas aquelas roupas, para nada - e é notória a semelhança do styling, com os terços, os brincos, os folhos e os tules. Aquela parte de se esfregar na parede é que não correu lá muito bem. Se calhar em câmara lenta até dava um ar sensualão, mas assim em avanço rápido parece só que tem as costas a esfolar e não aguenta a comichão.

A partir do minuto 2:30 a coisa entra em modo de festa, sem se perceber muito bem se ela está a tentar mesmo aspirar a casa ou se está só numa de inaugurar o pouco que ali já há. A banda, nas limpezas não ajuda, mas há que dar-lhes o devido valor por animarem a coisa. Até o metaleiro decide deixar-se contagiar pelo espírito da canção e chega, inclusive, a dar uns toques na coreografia (min 2:50).

Assim termina o videoclip, em clima de "pijama party", na nova casa da Ruth. Não se aspirou grande coisa, mas também o que interessa mesmo é cantar, dançar e ser feliz... e dar umas piscadelas, também. Nunca falha.



P.S.
Lembro-me vagamente de haver uma tentativa da minha professora primária para incluir esta canção numa festa de Natal. Toda a gente sabia a letra, dava para cantarmos por cima da música e coreografar qualquer coisa básica. No entanto, por razões alheias ao meu conhecimento, a ideia foi abandonada e eu, secretamente, fiquei super contente. Adorava a música mas já tinha nove ou dez anos e continuava a ter extrema dificuldade em piscar o olho. Aliás, vou contar-vos um segredo, ainda hoje tenho. A piscadela é uma arte, da qual Ruth Marlene é, sem sombra de dúvida, a Rainha Mãe.

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